A 4ª Conferência Nacional de Cultura e as nossas conquistas

Durante a 4ª Conferência Nacional de Cultura do Brasil1, realizada de 4 a 8 de março, em Brasília,1.338 delegados e delegadas aprovaram 30 propostas e 129 moções para elaboração do novo Plano Nacional de Cultura (PNC 2024).  

Representantes de várias regiões de fronteira participaram desta jornada e, a partir de uma articulação do Fronteras Culturales, formaram uma ampla rede de ativistas, organizados via grupo whatsapp e reuniões presenciais, para combinar e defender as propostas setoriais e de integração cultural nos seis eixos e nos 12 grupos de trabalho. Juntos conseguimos aprovar várias propostas e uma moção que defende a inclusão das pautas de fronteira e das relações internacionais nas próximas conferências, seminários e encontros, tanto a nível nacional, como nos estados e nos municípios.

Os estados fronteiriços do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Amazonas, Acre, Roraima e Amapá elegeram mais de 200 delegados e delegadas, e isso foi fundamental para a aprovação das propostas nos diferentes eixos. Mas a habilidade política de algumas lideranças também foi decisiva na articulação de acordos pontuais com algumas pautas, como as Amazônias, a cultura Hip-Hop, entre outras.

Alguns destaques e as nossas conquistas

Os debates foram organizados em seis eixos temáticos, subdivididos em 12 grupos de trabalho: 1) Institucionalização, Marcos Legais e Sistema Nacional de Cultura (SNC); 2) Democratização do Acesso à Cultura e Participação Social; 3) Identidade, Patrimônio e Memória; 4) Diversidade Cultural e Transversalidade de Gênero, Raça e Acessibilidade na Política Cultural; 5) Economia Criativa, Trabalho, Renda e Sustentabilidade e 6) Direito às Artes e Linguagens Digitais.

Como o documento final será publicado somente aos 60 dias após o encerramento da Conferência, nós resolvemos adiantar algumas propostas e temáticas que farão parte do preâmbulo e dos eixos temáticos do plano aprovado:

Preâmbulo do Plano

No preâmbulo do plano há uma orientação clara ao fortalecimento das políticas de fronteira, assim como às populações negras, quilombolas, povos de terreiro, indígenas, povos do campo, das águas e das florestas, comunidades circenses, ciganos e nômades, comunidades ribeirinhas e litorâneas, LGBTQIAPN+, infâncias, pessoas idosas, com deficiência, periféricas, em situação de vulnerabilidade, em situação de rua, egressas do sistema prisional, em conflito com a lei, neurodivergentes, refugiadas, entre outras, sempre promovendo as interseccionalidades.

Algumas diretrizes transversais também foram aprovadas, como a criação de ferramentas digitais para o mapeamento de artistas, produtores, mestres e coletivos culturais, assim como de manifestações que representam a diversidade cultural brasileira, e a necessidade de avançarmos na garantia de direitos trabalhistas dos fazedores culturais.

A defesa da manutenção do programa Cultura Viva, o fortalecimento do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), a expansão do Vale Cultura, o estabelecimento dos Comitês Estaduais de Cultura, os programas relativos à equipamentos, entre outros, também foram destacados, assim como a necessidade de aprovação da Lei de Mestres e Mestras, no Congresso desde 2014.

Eixo 1. Institucionalização, Marcos Legais e Sistema Nacional de Cultura

O Marco Legal aprovado passou a reconhecer os territórios de fronteira e incluiu a prioridade de aplicação de recursos para iniciativas que proponham a integração cultural entre povos e países. Outros destaques foram a defesa de instrumentos de descentralização dos recursos, como a permanência da Lei Rouanet, a equidade dos investimentos públicos, da reestruturação doSistema Nacional de Cultura (que foi aprovado no Senado durante a semana da Conferência), a implementação de linhas de créditos para artistas e a criação de fundos específicos, como o Fundo das Amazônias e o Fundo Nacional para a Infância. Também foi aprovada a proposta da obrigatoriedade de realização de uma Conferência Nacional de Cultura a cada quatro anos.

Eixo 2. Democratização do Acesso à Cultura e Participação Social

A importância dos Comitês Estaduais de Cultura e dos territórios culturais ficou evidente, com prioridade para as regiões da Amazônia Legal, das fronteiras e da integração cultural entre os povos e países. O Fator Amazônia e dos biomas fronteiriços, juntamente com as culturas indígenas, de matriz africana, do hip-hop e da capoeira estão citados nas propostas que se referem à territorialização das culturas. Também ganharam destaque a necessidade de combate às desigualdades nas seleções de projetos, através de cotas e planos de acessibilidade cultural, com a criação de setoriais transversais em todos os colegiados, assim como a criação de Pontos de Memória dos Povos Indígenas e dos Povos de Terreiro, com a defesa de uma maior participação popular nas políticas culturais, com mais consulta pública e maior representatividade.

Eixo 3. Identidade, Patrimônio e Memória

O reconhecimento das culturas transfronteiriças, assim como a proteção da memória e dos acervos das culturas populares, através de bibliotecas e arquivos, das culturas tradicionais e dos povos de terreiro, do hip hop, funk, foram aprovadas. No entanto, a defesa da continuidade das políticas de proteção e valorização dos conhecimentos e expressões populares ganhou destaque. Uma das propostas aprovadas defende uma cota de 30% para as culturas populares dentro da Lei Aldir Blanc. Também menciona a aprovação da Lei de Mestres e de Patrimônio Vivo, assim como a valorização dos Mestres como professores nas universidades e nos Pontos de Cultura. Houve uma defesa da valorização da moda enquanto cultura ancestral, e a importância de se trabalhar melhor a questão da sustentabilidade dentro da economia da cultura.

Eixo 4. Diversidade Cultural e Transversalidade de Gênero, Raça e Acessibilidade na Política Cultural

O enfrentamento ao racismo, à lgbtfobia e ao capacitismo foram os principais destaques dos grupos de trabalho, mas as propostas aprovadas também destacaram a importância da elaboração de políticas específicas para as comunidades fronteiriças. Os delegados e as delegadas também defenderam a realização de articulações junto a outros ministérios, como os ministérios da Educação, dos Direitos Humanos, dos Povos Indígenas, entre outros, e o fortalecimento da pedagogia Griô – valorizando mestres e mestras. Além disso, mencionaram a necessidade de letramento cultural, racial e de gênero, que falam sobre a valorização da infância, e defendem uma formação para o uso da linguagem neutra.

Eixo 5. Economia Criativa, Trabalho, Renda e Sustentabilidade

As propostas aprovadas neste eixo são de interesse geral, pois combatem a precarização do trabalho no setor cultural, reconhecem a ausência de direitos básicos dos trabalhadores e trabalhadoras, através das MEIs, e pedem garantias trabalhistas, como seguro-desemprego, direito à previdência social e segurança no trabalho. Quase todas as propostas se relacionam com a implementação do SNC, pois sugerem um CADÚnico da cultura, reforçam a proposta do MinC de expandir o Vale Cultura, e pedem a desburocratização do acesso ao fomento para as organizações populares, tradicionais e itinerantes. O Programa Nacional de Economia Criativa, que pretende a transversalidade e a capacidade de interlocução entre as mais diferentes áreas do governo que ativam o desenvolvimento sustentável e o potencial da economia da cultura, também foi destacado.

Eixo 6. Direito às Artes e Linguagens Digitais

As propostas aprovadas neste eixo também são de interesse geral, como é o caso da Implementação da Política Nacional das Artes, um conjunto de políticas públicas consistentes e duradouras para as artes brasileiras, a partir de um amplo debate com os diversos setores artísticos e com a sociedade em geral. Como novidade, o eixo propôs sonhos antigos do setor cultural: a criação da Agência Nacional da Música, a exemplo da Ancine, do setor audiovisual, e a recriação do Instituto Brasileiro de Livro, a exemplo do Iphan. Também sugere a criação e fomento de Festivais de Culturas Indígenas, a Implementação de instituições setoriais específicas, e acessibilidade plena.

Encontro Diálogos Culturais e o Papel das Fronteiras

No dia 6 de março a Diretoria de Articulação e Governança do MinC promoveu o encontro Diálogos Culturais e o Papel das Fronteiras. O encontro proporcionou uma troca de experiências locais/regionais entre os representantes estaduais, e para que todos conhecessem as etapas do plano de trabalho que será implementado pelo MinC neste ano de 2024.

Quais são os próximos passos?

O plano aprovado será enviado para o Congresso Nacional até o final do ano e, após aprovação, deverá ser referendado pelo presidente Lula. Até lá, o MinC vai definir metas concretas para cada proposta.

Portanto, agora precisamos de metas, de prazos viáveis e de um acompanhamento para que todas as diretrizes e propostas sejam implementadas em tempo hábil. Acreditamos que com a unidade conquistada e com a ampliação da nossa rede, já temos mecanismos de controle social e capacidades suficientes para atingir os nossos objetivos.

Temos que garantir alguns encaminhamentos junto ao MinC, tais como:  

  • Apoiar a elaboração e a implementação do plano de integração cultural a partir das fronteiras do Brasil com os demais países da América do Sul que está sendo elaborado pelo convênio OEI – Organização dos Estados Ibero-Americanos e MinC – Ministério da Cultura do Brasil;
  • Elaborar e assinar Tratados de Integração Cultural com os países envolvidos no plano;
  • Estabelecer diretrizes específicas para as Amazônias e demais regiões de fronteira, e construir corredores de integração cultural, como são os circuitos culturais e as redes de intercâmbio, cooperação e convivência entre povos;
  • Viabilizar planos e programas governamentais que garantam suporte e recursos para promover diálogos culturais transfronteiriços, com priorização das práticas interculturais e socioeconômicas sustentáveis dos povos indígenas e tradicionais que habitam a Amazônia e outros biomas e territórios;
  • Criar um Fórum Permanente das Fronteiras, com representação de várias localidades, povos e países, para a elaboração, monitoramento e a implementação de políticas públicas de integração cultural e a interlocução com os governos municipais, regionais e nacionais.

Como esta foi a primeira vez que as temáticas de fronteiras e das relações internacionais ganharam protagonismo numa Conferência Nacional de Cultura, o movimento Fronteras Culturales está celebrando essa grande conquista e se dispõe a contribuir com os futuros encaminhamentos nos países, nos estados e nos municípios.

Assista depoimentos de quem participou:

 

  1. O evento foi realizado pelo Ministério da Cultura do Brasil e pelo Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), e correalizado pela Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI). Além disso, conta com apoio da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil). ↩︎