CARTA PELA INTEGRAÇÃO CULTURAL BRASIL/URUGUAI

Ao Ministério de Cultura do Brasil e

ao Ministério de Educação e Cultura do Uruguai

Senhoras e senhores

Somos uma rede de artistas, produtores(as), mestres(as) populares, pesquisadores(as) e coletivos culturais que vivemos ao sul do continente, na região do Pampa, entre o Atlântico e as margens orientais do rio Uruguai. A nossa geodiversidade é conformada por imensos lagos e planícies, onde um horizonte circular está sempre distante dos olhos. Neste território as culturas, as artes, as línguas e os saberes ultrapassam as fronteiras sem fazer esforço, mesclando memórias, sotaques e sabores.

Somos a mistura de culturas dos povos originários e das diferentes migrações que configuraram uma diversidade de expressões e de manifestações tradicionais e contemporâneas. Aqui temos o ritual do mate herdado dos povos indígenas, a rota dos tambores de matrizes africanas, a culinária dos povos que vieram da península ibérica e tantas outras culturas que chegaram mais recentemente.

Ao mesmo tempo somos uma região esquecida pelos governos nacionais e a maioria dos editais de fomento à cultura não leva em conta o fato de que somos seres transfronteiriços. Para nós, os outros somos nós mesmos, e o outro país e a outra nacionalidade fazem parte das nossas experiências e vivências. Nós somos os outros e outras dentro de nós mesmos (nosotros).

Por razões como essas, acreditamos que ainda se faz necessário um reconhecimento das nossas singularidades culturais e a elaboração de políticas públicas que dêem visibilidade a esses processos de integração permanente e que fomentem a cooperação, o intercâmbio e a convivência entre os povos.

Partindo do princípio que a cultura é um direito do povo e um dever dos Estados, no dia 5 de agosto de 2023, durante o Fórum Binacional de Cultura (programação em anexo), realizado na fronteira Santana do Livramento/Rivera, após um longo período sem contar com o apoio dos governos municipais, regionais e nacionais, representantes da nossa rede resolveram apresentar as seguintes reivindicações para o Ministério da Cultura do Brasil e o Ministério de Educação e Cultura do Uruguai, assim como para os governos locais e regionais, e dar continuidade à elaboração de um plano de integração cultural a partir das fronteiras nacionais.

PROPOSTAS

  1. Reconhecimento e retomada do diálogo com base na Carta da Fronteira, assinada por prefeitos, intendentes e alcaides da fronteira Brasil/Uruguai, em 2010, e no Protocolo de Intenções entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o Ministério da Educação e Cultura da República Oriental do Uruguai para o Desenvolvimento de Ações Conjuntas no Âmbito da Cultura, assinada pela presidenta Dilma Rousseff e o presidente José Pepe Mujica, em 2011; 
  2. Realização de reuniões, seminários e conferências para envolver, de forma participativa, artistas, produtores(as), mestres(as) populares, representantes de coletivos culturais, de universidades, de institutos e de escolas, além dos atores estatais (ou públicos) na revisão e atualização das conquistas políticas culturais de integração cultural, como o Plano Diálogo na Fronteira, a partir do convênio entre o Ministério de Cultura do Brasil e a UNESCO (2015 e 2016), entre outros;
  3. Publicação de editais e de financiamentos estatais para promover circuitos, eventos e oficinas que colaborem para a formação de um Calendário da Integração Cultural, a partir da Rota dos Tambores afro-Uruguaios e afro-brasileiros, das mostras e festivais de música, de dança, de poesia, de teatro, de artes visuais, de memória patrimonial, de biodiversidade, de cinema e audiovisual existentes na fronteira;
  4. Criação de Fóruns de Políticas Culturais locais e regionais para a elaboração e manutenção dos Calendários de Integração Cultural, e para disputar as verbas públicas que poderão viabilizar as iniciativas simbólicas. Elaboração de uma Cartografia Cultural da Fronteira a partir de temáticas, linguagens e expressões simbólicas de integração;
  5. Publicação de normativas e de legislação específica que facilitem a mobilidade dos projetos, a contratação e o pagamento de brasileiros e uruguaios em ambos os territórios, e de editais que garantam a produção, os serviços, a circulação de pessoas e equipamentos, bem como a hospedagem das equipes nos países membros e/ou convidados do Mercosul;
  6. Fomentar acordos de coprodução na área do cinema e do audiovisual. Reconhecer e promover os festivais e mostras realizadas na região de fronteira e fomentar as redes colaborativas de capacitação, produção, realização e distribuição das obras com temáticas transfronteiriças. Investir em salas e/ou espaços de fruição da produção realizada nas fronteiras e nos países ibero-americanos. Incentivar a criação de Cineclubes e realizar parcerias para a distribuição de obras audiovisuais para museus, bibliotecas ou centros culturais;
  7. Fomentar o desenvolvimento de empreendimentos criativos nos territórios transfronteiriços e estimular a criação e a propagação de polos educacionais e ambientes de inovação e criatividade na fronteira Brasil/Uruguai. Ressignificar o conceito de fronteira nos dois países e na América do Sul;
  8. Publicação de editais estaduais, departamentais e nacionais em regiões de fronteira (por exemplo, o FAC Audiovisual) que garantam obrigatoriamente a realização do projeto na região e a contratação de, pelo menos, 80% da equipe no território em que o projeto foi contemplado;
  9. Viabilizar recursos para as escolas e universidades, via pró-reitorias de extensão, para promover o desenvolvimento sustentável da região. Retomar, atualizar e ampliar os programas Mais Cultura nas Universidades e Escolas Interculturais de Fronteira. Viabilizar a criação do Observatório Cultural de Fronteira por meio de convênios entre as universidades regionais e os coletivos culturais, com o propósito de reconhecer as linguagens e as culturas, registrar e manter a memória dos processos de integração, preservar os acervos, realizar atividades transversais de arte, cultura, turismo, educação etc. junto às comunidades e valorizar a diversidade cultural da região;
  10. Reconhecimento e fortalecimento das Usinas de Cultura, dos Pontos de Cultura e dos Pontões de Cultura que promovam a integração cultural, baseados na autodeclaração por parte dos centros/espaços/comunidades culturais. Reconhecer as iniciativas que estejam situadas num dos dois países, desde que gerenciadas por brasileiros e/ou uruguaios, e que possuam conta bancária no país de origem do edital;
  11. Atender a demanda por livros em bibliotecas localizadas nas fronteiras a partir das políticas (nacionais, estaduais, departamentais e municipais) de incentivo do livro e da leitura, e promover oficinas e feiras para ampliar os diálogos sobre literatura da região do Prata. Reconhecer as singularidades linguísticas transfronteiriças conformadas enquanto patrimônio imaterial a partir das obras escritas em “portunhol”, entre outras misturas. Realização de seminários sobre as linguagens e culturas de fronteira, como as obras que utilizam os “portunhóis”, as linguagens dos povos indígenas e de matrizes africanas, entre outras;
  12. Realizar o mapeamento dos festivais de dança na região sul do Brasil e norte do Uruguai, visando estimular as cadeias produtivas da dança e identificar oportunidades para criar, cocriar, produzir, circular, capacitar, e fortalecer a cooperação e o intercâmbio já existente entre os artistas da dança;
  13. Reconhecer e promover os alimentos e a culinária regional, bem como pequenos produtores, cozinheiras e cozinheiros, com seus saberes e fazeres, que resgatem a memória afetiva transfronteiriça e realizar festivais que contribuam para reestruturar as cadeias produtivas locais/regionais, das cidades, dos campos, dos rios, das lagoas e do mar;
  14. Realizar seminários para elaboração de estratégias que visem a proteção do bioma Pampa, sua biodiversidade e geodiversidade, em especial a proteção dos recursos hídricos ameaçados pelo uso de agrotóxicos e pela exploração extrativista;
  15. Aprovação de políticas para garantir o apoio, a formação e a circulação dos grupos de candombe afro-uruguaio nas localidades da fronteira Brasil/Uruguai, enriquecendo essas expressões artísticas/culturais que estão cada vez mais presentes no extremo sul do Brasil. Realização de oficinas ministradas por referentes do candombe. Apoio às “llamadas” e aos desfiles conjuntos às Escolas de Samba, e fortalecimento dos carnavais binacionais;
  16. Reconhecer e valorizar as ações voltadas para a proteção e o fortalecimento das culturas populares e periféricas que promovem a integração cultural entre os povos e evitam a elitização das manifestações culturais. Valorizar o trabalho dos mestres e mestras de saberes ancestrais, principalmente os de descendências indígenas e de origem africana. Reconhecer e estimular as manifestações de resistência que estão presentes nas periferias das cidades e dos campos.

Saudações cordiais,
Firman/Assinam:

  1. Agrupación de Negros y Lubolos BIRICUNYAMBA – Rivera, UY
  2. Agrupación de Negros y Lubolos Llave 13 – Melo, UY
  3. Amiz Ponto de Cultura Outro Sul – Pelotas, BR
  4. Asociación Civil Barrios Unidos Zona Oeste de Río Branco, Río Branco, UY
  5. Associação Amigos dos Museus de Bagé – Bagé, BR
  6. Associação Articula Dança RS – Bagé, BR
  7. Associação Brasileira dos Festivais Independentes – ABRAFIN Regional Sul, BR
  8. Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, AGAPAN – R.G.do Sul, BR
  9. Associação Umbandista Espírita e Africana de São Gabriel – São Gabriel, BR
  10. Associação em Defesa da Ecologia e da Arte – ECOARTE – Bagé, BR
  11. Atelier Charrua Trinacional – Barra do Quaraí, BR
  12. Atelier da Dança Renata Caggiani – São Gabriel, BR
  13. Ballet Folclórico Luz de Luna – Río Branco, UY
  14. Batalha de Rima Faroeste do Sul – Jaguarão, BR
  15. Batucantada- Coletivo Feminino Percussivo e Bloco de Carnaval – Pelotas, BR
  16. Buena Vista Cine Club – Jaguarão, BR
  17. Campos Neutrais Filmes – Pelotas, BR
  18. Casa Azpiroz – Río Branco, UY
  19. Casa do Tambor – Tamborada – Pelotas, BR
  20. Casa Espaço de Criação – Bagé, BR
  21. Casa Fungo: espaço artístico e cultural da fronteira – Santana do Livramento, BR
  22. CAV- Curadoria Artes Visuais – Santana do Livramento/Rivera, BR UY
  23. Centro Cultural Lunar do Sopapo – Porto Alegre, BR
  24. Centro Cultural Zumbi dos Palmares – Santana do Livramento, BR
  25. Centro De Danzas Folkloricas EL REENCUENTRO – Río Branco, UY
  26. Cine Azpiroz Produtora audiovisual – Río Branco, UY
  27. Cine de Frontera – Santana do Livramento/Rivera, BR UY
  28. Colectivo de Artistas CRUZA – Melo/Montevideo, UY
  29. Coletivo Margaridas – Jaguarão/Río Branco – BR UY
  30. Coletivo MeiaOito – Pelotas, BR
  31. Coletivo Muñecas de Trapo – Santana do Livramento, BR
  32. Coletivo Quebra Tudo – Jaguarão, BR
  33. Coletivo Usina Feminista – Pelotas, BR
  34. Conselho Municipal Povo de Terreiro São Gabriel, São Gabriel, BR
  35. Cooperativa dos Artesãos do Rio Grande do Sul – Grande Porto Alegre, BR
  36. Curso de Letras Espanhol e Literatura Hispânica da Unipampa – Jaguarão, BR
  37. Coordenação de Cultura – ProEx – IFSul – Pelotas, BR
  38. Dandô Movimento de Artes e Saberes – América Latina
  39. Divas, colectivo LGBTQ + Divas – Chuy/Chuí, UY BR
  40. El Junco cafetería cultural – Rivera/Santana do Livramento, UY BR
  41. Escuela de Candombe de Mundo Afro – Montevideo, UY
  42. Escuela de Danza de Melo – Melo, UY
  43. Filmes de Junho Produtora – Santa Maria, BR
  44. Fórum Popular Permanente de Cultura de Pelotas – Pelotas, BR
  45. Galpão Satolep – Pelotas, BR
  46. Grillos Candomberos / Candombe de Fronteira – Bagé, BR
  47. Grupo Alabê Ôni – Porto Alegre, BR
  48. Grupo Cultural Abi Axé – Jaguarão, BR
  49. Grupo de gestión cultural “abrelabios”- Rivera, UY
  50. Grupo Pesq.Ext.Gênero, Interseccionalidade e Direitos Humanos UFSM – Santa Maria, BR
  51. Grupo e Pesquisa CNPQ Cidade + Contemporaneidade Faurb | UFPel – Pelotas, BR
  52. Grupo Expresso 25 – Porto Alegre, BR
  53. Grupo Sem Contraindicação – Porto Alegre, BR
  54. Fundación Sistema de Orquestas Juveniles e Infantiles del Uruguay – Montevideo, UY
  55. Humanitas Arte e Cultura – Porto Alegre, BR
  56. Laboratório de Investigação Sociológica (LabIS UFSM) – Santa Maria, BR
  57. Lampert Centro de Dança – Santana do Livramento, BR
  58. Las Juannas – Rivera, UY
  59. Las3Tramas – Artes Têxteis e Visuais – Pelotas/São Paulo, BR
  60. Leososamusica Produções Musicais – Porto Alegre/Montevideo, BR UY
  61. Lua Nova Produção Cultural – Pelotas, BR
  62. Maracatu Tamboritá – Palhoça, BR
  63. Massia Producciones – Uruguay/Argentina/Brasil, UY AR BR
  64. Mil Palavras Acessibilidade Cultural – Porto Alegre, BR
  65. Movimento Fronteras Culturales – Nuestra América
  66. Movimento Sul Universal – Cone Sul, AR BR PY UY
  67. Muga Cultural – Santana do Livramento/Rivera, BR UY
  68. Mundo Afro – Montevideo, UY
  69. Núcleo de Arte e Cultura do IFSul Câmpus Bagé – Bagé, BR
  70. Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – NEABI UFSM – Santa Maria, BR
  71. HA.D.A Hablemos de Autismo – Río Branco, UY
  72. Instituto Atelier da Lage Zé Darcy – Arroio Grande, BR
  73. Instituto Balaena Australis – Barra do Chuí, Santa Vitória do Palmar, BR
  74. Instituto Conexão Sociocultural (CONEX) – Jaguarão, BR
  75. Instituto Cultural e Esportivo Maktub – Jaguarão, BR
  76. ONG Atelier Saladero – Barra do Quaraí, BR
  77. ORAPER/Fronteira – Aceguá, BR
  78. ORAPER São Gabriel – São Gabriel, BR
  79. Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras – Bagé, BR
  80. Ponto de cultura TV Restinga – Porto Alegre, BR
  81. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUrb UFPel – Pelotas, BR
  82. Programa de Pós Graduação em Artes UFPel – Pelotas, BR
  83. Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIPAMPA – Jaguarão, BR
  84. Projeta Mulheres – Projeções na Cidade – Pelotas, BR
  85. Proyecto Mi Tambor – Rivera, UY
  86. Raperos Independientes de Rivera – Rivera, UY
  87. Relva Cultural – Pelotas, BR
  88. Sala Abierta – Bagé, BR
  89. Slam Encruza – Jaguarão, BR
  90. Sociedad Cineclub de Fronteira – Bagé, BR
  91. Sociedade Independente Cultural – Jaguarão/Río Branco, BR UY
  92. Sociedade Uruguaia de Socorros Mútuos – Bagé, BR
  93. Sofá na Rua – Pelotas, BR
  94. Sofá na Rua Frontera (projeto de extensão UNIPAMPA) – Jaguarão, BR
  95. Sol – Ateliê de Música – Santana do Livramento, BR
  96. Tambores del Norte – Rivera, UY
  97. Taller de Expresión Plástica Alicia Santos – Rivera, UY
  98. Taller de Introducción al Diseño Artesanal y a la Expresión Artística – Lago Merín – UY
  99. Tarrafa Produções – Porto Alegre, BR
  100. Teatro do Sol Cia – Rio Grande, BR
  101. Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz – Porto Alegre, BR
  102. UNICULT – Projeto de Cultura e Extensão da UniPampa – Santana do Livramento, BR
  103. Unidade de formação e capacitação humana e profissional – Pelotas, BR
  104. Unificación de los Colectivos Afros – Rivera/Santana do Livramento, UY BR
  105. Unión Pro Centro Barra del Chuy – Barra del Chuy, UY
  106. Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA – Fronteiras Brasil/Argentina/Uruguai, BR
  107. Universidade Federal do Pampa (campus Jaguarão) – Jaguarão, BR
  108. Voces Blancas – Río Branco, UY
  109. Ylê Axé Mãe Nice D’Xangõ – Jaguarão, BR