Festival Binacional de Pandorgas/Cometas

O Festival Binacional de Pandorgas/Cometas é realizado durante a Semana do Turismo (do Uruguai) ou Semana Santa (do Brasil). Durante décadas, o evento foi um dos elementos constituintes da tradição e identidade cultural da Fronteira da Paz, formada pela união dos municípios de Rivera e Livramento, um deles está localizado no nordeste do Uruguai e outro no sudoeste do Brasil.

As pandorgas/cometas são dispositivos voadores criados há mais de 3.000 anos na China sob o nome de “pinzi”. No início, eles tinham as funções de entreter e ajudar na meditação, embora mais tarde tenham sido usados como uma estratégia militar. Da Ásia, “os pinzis” se espalharam para outros países, adquirindo diferentes nomes: pipa, pandeiro, volantín, papalote, chiringa, papagayo, papalota, chichigua, birlocha, milocha, cachirulo, pandorga.

Na Frontera de la Paz, tanto as designações de “cometa”, originária de Rivera, quanto de “pandorga ou cachimbo”, vindas de Livramento, tornaram-se culturalmente evidentes. São protagonistas do entretenimento, da diversão individual e coletiva que nem mesmo as novas tecnologias substituíram. Eles são feitos com muita criatividade, e todos eles têm as mesmas características gerais que são definidos da seguinte forma:

Uma moldura plana muito leve sobre a qual papel ou pano é espalhado e colado, com uma cauda de fitas ou pedaços de papel que é mantido no lugar com um fio muito longo, jogado ao ar para que o vento possa erguê-lo, como uma diversão para as crianças (DRAE. Édico. 2014).

Eles têm diferentes tamanhos, em uma única cor ou multicolorido. Uma característica das pandorgas/cometas são formas pelas quais adquirem nomes muito curiosos, como “as bombas”, “os marimbos”, “os barcos”, “os morcegos”, os losangos, entre outros. Enquanto os marimbos são circulares, os marimbos têm formas retangulares, mas diferem entre si porque os marimbos têm franjas e “roncador”. As armações são montadas com canas de taquara (bambu), cobertas com papel de cera ou nylon para cobrir a moldura. Para isso, é utilizada cola escolar, embora fosse preparada com uma “pasta” feita de farinha com água no passado. Nos marimbondos é colocado uma “cabeça” nos vértices superiores, feito com uma cana mais fina e arqueada, para montar um “roncador”. Terminado o forro é hora de colocar os “tirantes”, que vão dos vértices superiores até o centro, para amarrar o barbante e soltar as pandorgas/cometas. O trabalho é finalizado colocando uma cauda pano, sempre feita a partir de roupas e de lençóis velhos, no vértice inferior da armação.

As pandorgas artesanais e/ou industrializadas também são fonte de renda para muitas pessoas que realizam exposições, com a venda de itens nas esquinas e nas praças das duas cidades a partir das semanas que antecedem a Semana do Turismo (no Uruguai) e da Semana Santa (no Brasil). O importante é que nessa época do ano, a comunidade fronteiriça celebra a sua identidade lendária, como expressa o poeta riverense Olintho María Simões (1901-1966) no poema “Las cometas”, da obra La Sombra de los Plátano 1950:

…Um passatempo infantil praticado pelo meu povo 
infantil tão bonito
Desde os tempos remotos
Toda Quinta e Sexta-feira Santa
com ingênuo entusiasmo…

A pandorga/cometa não é apenas um passatempo familiar, pois desde 1980 tornou-se um jogo competitivo nas duas cidades. As pessoas se deslocam para os bairros, principalmente para o Lago Batuva e a Vila Planalto, em Livramento, e para diferentes lugares abertos de Rivera, mas há anos o Festival Binacional de Pandorgas/Cometas é realizado no Cerro Caqueiro, no Cerro del Marco, na linha divisória entre o Uruguai e o Brasil, e no Parque Gran Bretanha, em Rivera. Em 2024 o festival foi realizado no Aeroclube de Rivera, popularmente conhecido como “La lata”, nos arredores da cidade (Link para a página do Município Departamental de Rivera, 2024: https://www.rivera.gub.uy/portal/festival-de-cometas-2024/)

Participam pessoas de todas as idades e classes sociais, onde são atribuídos prêmios que selecionam as pandorgas/cometas pela estética, originalidade e altura, quando são hasteadas no ar. Mas a maior recompensa de quem remonta esses artefatos voadores é a admiração do público, enquanto espera para ouvir algo em Portuñol que recompensa os cuidados que tiveram durante a confecção:

– É uma baita cometa”:

– Tem que comprar papel crepom, fios, barbante, fazer pasta para fazer as duas pipas/pandorga.

–É claro. E nos colaboramos fazendo o esqueleto das pandorgas.

“Vamos voltar.”  Tenha um bom controle sobre o fio. Jogue fora. Vou segurá-lo no meio. Primeiro, verifique se a cauda de pano tem um bom comprimento.

“Lá vai a nossa pipa – pandorga. Dá mais fio… Mais… Mais…”

Esses diálogos em dialeto português- uruguaio são ficcionais e foram criados para destacar o sentiment de pertencimento que é experimentado neste simples ato de entretenimento. A unidade lexical pandorga/cometa enfatiza as manifestações autênticas de um contexto sócio-cultural e histórico, informalmente pactuado e determinado pelos laços de fraternidade, simbolizados por aqueles fios mantidos nas mãos de pessoas brasileiras e uruguaias.

A ascensão da pandorga/cometa que desafia a gravidade inspirou escultores e pintores locais, além de poetas, como  aponta a escritora gaúcha Tanisse Carrali, lembrando o poema PANDORGA, do  também escritor fronteiriço  Carlos Urbim (1948-2015), que diz:

Cintura tão fina
Parece menina
Alegre a brincar.
Gentil bailarina
Só pensa em voar…
Pandorga, me leva
Para Santa Maria
Depois me carrega
Pro sul da Bahia.

Na verdade, a mente voa e se desprende, acompanhando os movimentos ondulantes do fio até atingir o desejado e o imaginável. É como uma forma de superar  os próprios limites e se apropriar do ilimitado, para ser mais ou despertar o caráter crescente da essência humana. É por isso que, em cada Semana do Turismo ou Semana Santa, em cada pessoa que vive na fronteira Rivera-Livramento, o anseio ancestral por liberdade e libertação emerge ao participar do momento mágico de andar com um pandorga/cometa junto com a sua comunidade.

Zulma M. Oliva, é de Rivera (Uruguai). Professor de Literatura e Língua Espanhola. Bacharel em Educação – Mag em Ciências da Educação. Mas também atuou na área da educação no Uruguai e no Brasil: atualmente realiza oficinas de leitura e compreensão de textos literários e não literários no projeto “Biblioteca Itinerante”, voltado ao fortalecimento da educação cívica de crianças e adolescentes de Rivera e Livramento em situação de vulnerabilidade. Ela é membro do “Clube de Leitores”, um grupo internacional de língua espanhola com natureza virtual

Mosaico de fotos: Ricardo Almeida.