O Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras é o resultado de articulações sociais e políticas do incipiente movimento do audiovisual, da musicalidade e diversidade de expressões culturais presentes no município de Bagé, na fronteira Brasil-Uruguai. Ele foi reconhecido pelo Ministério da Cultura do Brasil em 2013.
Uma parte das iniciativas relatadas no projeto inicial despertou o interesse de algumas pessoas e organizações, que acabaram se apresentando como articuladoras da produção de cinema e audiovisual na cidade. O Ponto de Cultura foi concebido como um espaço de referência, como um laboratório de ideias e de projetos audiovisuais que aprofundassem a leitura das estéticas, das paisagens, dos costumes, dos portunhóis, das artes e dos fazeres populares, dos movimentos sociais, do patrimônio cultural, dos contos, dos mitos e dos heróis anônimos da região da Pampa brasileira e uruguaia.
Quando a Associação Pró Santa Thereza abraçou e potencializou este movimento inicial, nós ampliamos nossas atividades, que passaram a se relacionar com outros coletivos da cidade e região, abrangendo municípios do entorno, incluindo cidades do Uruguai. Com o surgimento do Ponto de Cultura também foram oferecidos diferentes serviços para a comunidade regional e local. Ao mesmo tempo, foram se estabelecendo conexões artísticas e culturais com organizações e iniciativas de outras regiões do estado do Rio Grande do Sul, do Brasil e do Uruguai, que dialogam com as temáticas de fronteira e com dispositivos do cinema e do audiovisual.
A nossa parceria com o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo de Porto Alegre serviu de inspiração para a elaboração deste projeto. A partir dela, e com a nossa adesão à Rede de Pontos de Cultura abriram-se novas oportunidades de projeção e de divulgação do nosso trabalho regional: focamos o olhar nos territórios e cidades de fronteira e buscamos o intercâmbio e a cooperação com coletivos culturais do Uruguai. Estas decisões foram estratégicas para o fortalecimento da Associação Pró Santa Thereza e para consolidar as parcerias com o Festival Internacional de Cinema da Fronteira.
Há vários anos o Ponto de Cultura gera trabalho e renda na região por meio dos projetos e produções audiovisuais, educativas e comerciais, pois incuba um coletivo de economia criativa de profissionais do audiovisual, comunicação e artes. No entanto, uma boa forma de interpretar a importância dessa iniciativa é situá-la nos processos de evolução do Festival de Cinema da Fronteira. Na 1ª Mostra de Curtas de Santa Thereza, promovida pela Associação Pró Santa Thereza, dez realizadores locais inscreveram os seus filmes. Essa situação, desafiou a Associação a realizar a 2ª Mostra de Curtas de Santa Thereza com ênfase na promoção da produção local e regional. Tivemos outra surpresa com a inscrição de 30 curtas, com a ampliação do público e com a divulgação da Mostra na imprensa local. Foi a partir daí que a Associação transformou este evento num festival, que cresceu com uma Mostra Regional Competitiva na terceira edição, com 40 produções locais inscritas e uma Mostra Binacional Competitiva, com produções de outras regiões do Brasil, e países, como o Uruguai, a Argentina, Portugal, Venezuela, entre outros.
A ampliação da Mostra Competitiva Binacional e uma parceria com o Festin Lisboa – Festival Internacional de Lisboa, desafiou a Associação Pro Santa Thereza e a Prefeitura Municipal do município a realizar o 4º Festival Internacional de Cinema da Fronteira, mas agora incorporando uma Mostra Competitiva Internacional, uma Mostra Competitiva Regional, uma Mostra Lusófona, uma Mostra Cinema na Escola, uma Mostra Uruguai, uma Mostra Paraguai, uma Mostra de Cinema Além da Imagem, para Pessoas com Deficiência Auditiva e Visual, e uma Mostra Mbya-Guarany, sobre a cultura dos povos guaranis da região das Missões. Neste ano também foi elaborado o Manifesto Cinema de Bagé que deu início à luta pela criação de um Curso de Cinema na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, de um Laboratório de Narrativas Colaborativas Literárias, na UNIPAMPA, e a 1ª Jornada de Estudos de Cinema, também na UNIPAMPA. Também foi realizada a Mostra Especial Luis Rosemberg Filho e a exibição de filmes em bairros populares e espaços públicos, com o apoio do RODACINE, um projeto do governo estadual, que atualmente está desarticulado. O Festival Internacional de Cinema da Fronteira é um projeto da Associação Pró Santa Thereza, dirigido pelo cineasta Bageense Zeca Brito.
Deste modo, o Festival acabou desafiando os diversos parceiros a somarem-se na ampliação do Ponto de Cultura, como uma estratégia de fortalecimento do movimento de cinema e audiovisual no município de Bagé e na região. O ciclo virtuoso da produção nos fez pensar seriamente na cadeia produtiva do cinema e o audiovisual, e em suas potencialidades para o desenvolvimento local e transfronteiriço, como foi o caso da produção do episódio La Sociedad, que faz parte do longa-metragem Fronteriz@s, de 2021, e que reúne produtores, técnicos e artistas de cinco localidades da fronteira Brasil-Uruguai.
Qual a importância desse projeto para as comunidades locais/regionais?
Existem vários elementos para justificar a importância do Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras para as comunidades regionais, assim como para a produção cultural como um todo. O primeiro elemento a destacar é a importância da produção audiovisual nos municípios e localidades das regiões de fronteira. É importante reconhecer as singularidades culturais dos povos transfronteiriços e contribuir para promover os aspectos positivos existentes nas zonas de fronteiras, que historicamente foram pensadas somente sob a ótica da segurança nacional e do controle migratório. Por exemplo, uma primeira experiência local a construir com um olhar singular, através do audiovisual, se deu em 2011, com a produção do longa-metragem “O Guri”, do cineasta bageense Zeca Brito. “O Guri” foi o primeiro longa rodado inteiramente na cidade de Bagé. O filme mostra a história de Lucas, um garoto de 12 anos que teve a sina de ser o sétimo filho homem da família, assim como foi o seu pai. Segundo uma lenda da região, ele poderia virar lobisomem. Sozinho, Lucas tem que lidar com a dúvida e enfrentar o processo de amadurecimento, assim como acontece com todos os jovens” (extraído da sinopse do filme). A guerra que serve de fundo dessa história é a disputa pelo território entre brasileiros e uruguaios.
Outro elemento que merece destaque é a constituição de um espaço público de produção audiovisual que possa ser utilizado para ampliar e potencializar a realização de curtas e longa-metragem que abordem a vida, identidade, estética, paisagem e costumes da Pampa e da fronteira. Um dos grandes limites para a produção local do audiovisual são os equipamentos de filmagem, edição e finalização dos filmes. Neste sentido, o Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras contribui com a realização das produções locais e serve com um espaço de encontro, para troca de saberes e criação coletiva.
O Ponto de Cultura também cumpre um papel pedagógico junto às Escolas da Rede Municipal e Estadual, ao Instituto Federal de Educação – IFSUL e às demais instituições de ensino de Bagé, com ao Unipampa- Universidade Federal do Pampa. Enfim, estamos dialogando com cineclubes, como o Sociedad Cineclub de Fronteira, além de mostras e outros espaços culturais, pois queremos tornar o Ponto de Cultura no espaço aberto e colaborativo mais bem equipado da região.
Adriana Gonçalves Ferreira é graduada em comunicação social, mestre em patrimônio cultural e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educação na UFSM, onde pesquisa cinemas, educações e imaginário social. Tem formação em cinema e educação e direitos humanos na Universidade Federal Fluminense. É educadora audiovisual e está a frente do Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras.