MOINHO CULTURAL E AS EQUIDISTÂNCIAS FRONTEIRIÇAS

Se observarmos bem observado, daquelas vezes em que parecemos ter uma lupa, igualzinha à dos astrônomos que enxergam os grãos brilhantes no Universo, poderemos ficar retidos, presos na observação, notando, assim, que as pessoas das fronteiras têm uma certa equidistância entre a presença e a solidão. E no profundo desse aparente desencontro podemos identificar o que há de mais precioso nas vidas desses lugares: a fala das pessoas ali. E através dela será possível responder nosso próprio não saber cosmológico e cotidiano, a fronteira existe e resiste. Queiramos ou não, gostemos ou não, a fronteira se impõe em busca por entendimentos. E o primeiro deles é reconhecer que as pessoas dali sabem muito sobre os cantos em que vivem.

O Moinho Cultural Sul-Americano nasce disso, que é uma espécie rara de ambições. Um misto de projetos e saliências calejadas nos relevos sociais mais profundos e vívidos, fruto de fornadas de pensamentos e escutas muito valiosas. O Moinho sabe-se como sustentar[1]se em meio a heranças lusas e hispânicas, uma vez que as fronteiras aqui em Corumbá e Ladário, no Brasil, Puerto Quijarro e Puerto Suarez, na Bolívia, trazem suas marcas tão emocionantes quanto racionais, entre abandonos e sobrevivências.

Não é fácil enxergar isso, sabemos muitas vezes. E, ao ignorarmos nossas sulamericanices, vimo-nos recortados em nossos olhares, convidando a não perceber o óbvio. As vidas ali carecem de olhares e ações, especialmente, inclinados nos sóis que ali irradiam, nas vozes inescutadas e nas estradas que esperam seguir. Pois são dessas pessoas que brotam as fronteirices, e que incrementam as sonoridades reluzentes nas aulas de musicalidades que ali são empenhadas e oferecidas como um novo arranjo dançante para a vida. No Moinho, seus mestres não adestram, encantam-se.

As crianças e brotantes jovens ali têm traços mambembes, gesticulantes, cantores de chuveiros, riscadores de chãos dançáveis a qualquer hora do dia, tórrido ou não. Trazem consigo as calçadas, poeiras, línguas inauditas e rezas por esperanças, porque o continente e suas fronteiras não cessam em existir.

Os dias giram, sabemos que nunca iguais. E as crianças e jovens que ali se fazem, participantes de um movimento calmo, contínuo e transformador, seguem vendo, e melhor que nem percebendo, que os vazios, que nem sabiam existir, seguem encolhendo. E vai se desfazendo a régua do não-destino ao mesmo tempo em que outras crianças, saídas de outras terras natais, uns dos ventos que movem o Moinho, chegam para desafiar aquele óbvio.

Num olhar mais convencional, daqueles que estreitam a mente, não conseguiremos ver aquela equidistância daquele mundo, nem o vazio condenatório, tampouco a destreza de perpetuar destinos, por vezes, infelizes. Pois nela pairam cinzentas manifestações negativas que a cultura dali forjou. Mas, o lúdico que o Moinho Cultural Sul-Americano possui desconcerta a razão que insiste em fluir. Há algo subversivo e calmo no Moinho, uma espécie de construção de um futuro cujo presente será uma linda moldura a ser lembrada com orgulho.

Marco Aurélio Machado de Oliveira possui graduação em História pela FUCMAT (1988) e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde coordena o Observatório Fronteiriço das Migrações Internacionais (Migrafron). Tem experiência em estudos de migração internacional fronteira. Pertence ao quadro de Docentes Permanentes do Mestrado em Estudos Fronteiriços (UFMS/CPAN)). Atua, principalmente, nos seguintes temas: fronteiras, política, cultura e migrações internacionais.